Conga la Conga



O clima era de desconfiança. Homens, mulheres e crianças entravam no Circo do Palhaço Facilita, montado de forma precária em um terreno baldio no bairro da Redinha, Zona Norte de Natal. Caminhavam tímidos, sem acreditar, ao certo, na veracidade da atração principal. O anúncio foi dado durante todo dia através de um carro de som que passeava pelo bairro e chamava a população para o picadeiro. Na fachada do circo, um cartaz reforçava o, até então, boato: “Nesta quarta-feira às 21h, não perca, show da cantora Gretchen no Circo do Palhaço Facilita”. Parecia mentira, mas não era.

A estrutura montada para receber a musa estava longe de ser os grandes palcos e boates dos anos 80. Uma tenda de lona, com cadeiras de plásticos brancas próximas ao picadeiro improvisado de palco; ao fundo, tábuas de madeira onde os menos sortudos se amontoavam com medo de cair. Momentos antes do show da Rainha do Rebolado, meninos vendiam pipoca e batata frita ao público e, na caixa de som, os sucessos da década da brilhantina davam o tom ao ambiente. Era a noite perfeita para o brilho de Gretchen.


Entre as 300 pessoas presentes, a descrença e a ansiedade reinavam. “Só acredito, vendo” revelou a fã da Rainha do Rebolado, Ana Lúcia Nobre de 51 anos – ela estava com a família e aguardava com ansiedade o show insistentemente prometido pelo Palhaço Facilita. A expectativa entre os fãs era ouvir, ao vivo, o sucesso “piri-piri” com o seu rebolado característico efetuado pessoalmente pela Rainha do Bumbum, isso sem falar – claro – de “Conga La Conga”, “Freak La Bum Bum” e outros hits rebolativos. O clima de ansiedade invadia o coração da platéia e dos fãs presentes no circo.

No camarim, Gretchen prometia uma apresentação intimista. “Vai ser um pocket show,com apenas cinco músicas”. Dentro do trailer montado do lado de fora da lona, a Rainha do Rebolado preparava-se para dançar as músicas que a levaram ao estrelato na década de 70 e 80. Na entrevista, no entanto, Gretchen descartou a possibilidade de aceitar o pedido de algum sujeito mais atrevido que quisesse rebolar com ela. “Ficarei sozinha no palco para evitar problemas.” confessa, a precavida musa – que também estrelou sucessos da indústria de cinema pornográfica.

Era por volta das 21h20 quando o Palhaço Facilita – o animado administrador do circo – anunciou a tão esperada programação da-quele feriado de Reis: “vamos começar com o nosso espetáculo, teremos o show de Gretchen e depois fina-lizaremos com a incrível Macaca Sara e suas acroba-cias”. Na platéia, a tensão aumentava a cada instante. O Palhaço Facilita aproveitou a atenção do público para anunciar também que, na quinta-feira, o circo voltava ao seu preço normal. A grande atração do dia seguinte, no entanto, não teria nada de musical: o espetáculo da quinta-feira é a incrível briga entre dois anões.

O tempo passou. Palhaços, acrobatas e derivados disputavam a tapa a atenção do público. Às 22h eles saíram do picadeiro e deram espaço à musa do bumbum. Vestida num macacão jeans colado no corpo, e brilhantes na altura do peito, Gretchen entrou no palco com ares de estrela hollywoodiana – nada mais justo para uma artista do seu calibre. A platéia aplaudia fervorosamente. Rebolando sem parar, a musa cantou com um playback. Sozinha no picadeiro, ela não desperdiçava gritinhos e distribuía sorrisos para o público. Na pausa da sua primeira música (Freak La Bum Bum), Gretchen para e faz uma revelação bombástica. “Muito gente não acreditou, mas seu eu mesma aqui, só para vocês”.

No maior estilo “programa de auditório”, a Rainha do Rebolado saiu do seu transe musical e distribuiu dois DVDs seus entre a platéia. No encarte do produto, era possível ler: apoio cultural Luiz Almir e Chagas Catarino. Depois de um momento de dar inveja ao Luciano Hulk, a cantora voltou à seara que mais entende, o rebol.. ops, à música. A apresentação seguiu com “Conga La Conga” para delírio do público. O ápice da apresentação veio quando os primeiros acordes do sucesso “piri-piri” começaram a soar pelo circo. Na platéia as meninas mal seguravam o impulso para a dança sensual.

Enquanto a musa cantava e rebolava no picadeiro, a pequena Jociele Guerra de 6 anos atreveu-se ao proibido. Levada para perto da cantora, a menina subiu no palco e quebrou o protocolo imposto pela produção. Com um gin-gado digno, rebolou ao som de “piri-piri” ao lado de Gret-chen – para a inveja dos mar-manjos. A menina copiava com perfeição os movimentos da musa. Era praticamente um talento nato. No final, foi pre-senteada com um abraço e um pedido da cantora: “vem ser uma das minhas dançarinas, vem?”. Jociele negou veemen-te a súplica.

Ao final da curta apresentação, o público, em êxtase, ainda parecia não acreditar na presença da estrela no local. O Palhaço Facilita justificou a brevidade da apresentação. “Gretchen parte para Recife às 00h, ela precisa descansar”. Quando A Rainha do Rebolado saiu, uma pequena parte da platéia foi embora. Perderam. A tensão e o nervosismo no circo continuaram de forma até mais intensa. Tudo isso por causa da Macaca Sara – a verdade estrela da noite – apresentaria em instantes seu número acrobático para a platéia. Um sucesso.

*Publicado no Novo Jornal de domingo (10 de janeiro)

Um comentário:

  1. Ficou tão legal! =)

    Bacana demais o Novo Jornal dar espaço para o jornalismo literário, enriquece demais o cotidiano ler algo assim...

    E eu nem sabia que a "Rainha do Reboladation" tava por aqui... ouvi falar, mas não acreditei, assim como muita gente. Porém, mesmo não gostando da música dela (rs), curti o direcionamento da reportagem... me senti lá, meio melancolicamente, mas me senti. Acho que ficaria com um olhar de dó pra Gretchen e pra menininha dançando... não sei, eu tenho essas coisas de ser sentimental nas horas impróprias.

    Vou adicionar o blog aqui nos favoritos... Curti sua nova "casa" cibernética. Até a próxima visita. Beijo =*

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