"Não há liberdade para a arte" Perfil de Pedro Costa

Pedro gesticula, desvia o olhar quando fala. É inquieto. Branco, de estatura mediana, ele usa uma barba mal feita e tem tatuagens espalhadas pelo corpo. As roupas que veste geralmente são simples: calças folgadas, camisas velhas, sandálias. A fala passa segurança, propriedade. Inteligência. Pedro Costa não aparenta os seus 31 anos e sequer tem pudores para falar sobre o seu homossexualismo. Cientista social formado pela UFRN e artista visual, ele é hoje – para o bem, ou para o mal – a pessoa mais discutida da cena artística de Natal. Isso tudo por conta da sua última obra de arte. Uma performance realizada durante a abertura do 13º Salão de Artes Visuais da Fundação Capitania das Artes. Ignorando todo e qualquer preceito religioso, ele retirou um terço do seu ânus.


Nascido em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, Pedro Costa é filho de pai pernambucano e mãe carioca – nomes que preferiu não revelar. Ele morou em Belém, antes de se mudar de vez para Natal, aos 12 anos de idade. Durante o seu crescimento e seus anos de estudo, a religião sempre foi motivo de curiosidade. Na capital paraense, Pedro estudou em escolas católicas. Em Natal, teve sua formação ligada ao ETFERN, atual IFRN. Durante o curso de ciências sociais, pendeu para o lado da antropologia – pelo seu interesse na cultura – e para a ciência política – “tenho afinidades com o movimento punk e anarquismo”.


Simultaneamente ao interesse por antropologia e por religiões, Pedro Costa desenvolveu seu lado artístico. Participou de oficinas de teatro, circo, envolveu-se com música eletrônica, participou de cursos. Mas, o que o levou, de fato, para as artes visuais foi depois que conheceu os “dinossauros” Sayonara Pinheiro e Jota Medeiros. Ambos, envolvidos com a vanguarda de arte contemporânea em Natal e com as exposições na cidade, influenciaram Pedro Costa e o levaram para a arte postal. Ele começou a fazer colagens e desenhos e os enviava pelos correios para outros artistas e curadores. “Tenho obras em exposições coletivas de arte postal em praticamente no mundo todo”, disse.


A temática escolhida por Pedro Costa desde o início da sua carreira como artista postal, músico e performer envolveu sempre a delicada relação entre sexualidade e a religião. Ele afirma que é uma escolha inerente a sua vida, influenciado tanto pela sua formação intelectual, como pela sua experiência envolvendo preconceitos com o fato de ser homossexual. “Já deixei de ser admitido em empregos por pura homofobia”. Enquanto como cientista social ele fotografava drag queens e estudava conceitos de colonização religiosa pela área da antropologia, como artista ele estudava a performance-arte e se influenciava por gente como a Márcia Xis e Leon Ferrari – artistas que usaram símbolos religiosos em suas exposições artísticas.


“Não me importo sobre o que falam sobre minha arte”


Quando lembra os comentários ofensivos e as ameaças que despertou por conta da sua última obra de arte, Pedro Costa se irrita e dispara frases como: “As pessoas mal conhecem a trajetória de um artista e vem falando disso”. Aliás, crítica é uma coisa que ele não engole muito bem. “As obras são bonitas e boas para mim, não me importa o que os outros acham”. As obras de Pedro, hoje, são feitas em três "formas" diferentes. A performance – como a realizada no salão de artes visuais; a música – por meio da banda de funk Solange Tô Aberta; e a arte postal – atividade que nunca largou. A banda, a qual ele é o único membro, é a que agrega a maior parte da sua influência artística, com letras e batidas de cunho sexual.


O que ele pretende atingir, disse, como objetivo do que faz é a reflexão crítica sobre a temática proposta pela sua arte. E quanto a isso, ele se considera “satisfeito” pela repercussão criada com a performance do terço. As palavras deles são objetivas quando fala disso: ele quis “descolonizar a religião do seu corpo, reafirmar os prazeres da sodomia”. Nega veementemente que o fato agride os religiosos e a igreja e, quanto a isso, parte para a explicação de que “se quisesse agredir a fé das pessoas, jogaria ovo podre na frente da igreja”. Para ele, a arte atingiu seu objetivo e não deverá ser repetida. Para os seus pais, a performance foi forte demais. “Natal é vanguarda por ter permitido um trabalho como esse” diz.


Não foi a primeira vez que Pedro retira um terço do ânus. No dia 19 de abril 2008, durante uma apresentação da sua banda em Salvador, o artista visual apresentou pela primeira vez a sua “obra”. Na ocasião, segundo ele, a luz e o ambiente atrapalharam no efeito que ele queria – o que foi um dos motivos que fizeram repetir o feito. “Fiquei pensando sobre o ato, refleti antes, estudei alguns conceitos antes de decidir fazer de novo”, disse. E, na ocasião da seleção de artistas para o salão, não pensou duas vezes: inscreveu a obra de acordo com todos os requisitos técnicos propostos e foi aceito pela curadoria.


Ultimamente, Pedro Costa recebe ameaças. Elas vem de várias partes diferentes e com vários teores. Inclusive de morte. Prometeram processos judiciais, a suspensão dos R$ 1350,00 referente a sua apresentação e ameaças de agressões físicas. Ele sentiu medo. Mas garante que esperava isso. “Você vê, com isso, que o Estado não é laico. Não há liberdade de arte.”, disse. Ele garantiu que está protegido por organizações artísticas contra qualquer tipo de agressão física ou processo judicial que possa vir.


Apesar de polemizar a religião, de discuti-la, Pedro Costa diz que sim, adota uma crença. Ele se declara pagão, ligado a tradições celtas da Europa medieval e, também, “um pouco espírita”. Para ele, o catolicismo nos foi imposto pelos jesuítas. “Não houve uma escolha, todos nascemos católicos”, e que, além disso, nossa sociedade se formou em cima de barreiras sexuais, de tabus. A arte, segundo ele, é uma forma de refletir sobre isso, de atingir o espectador, quebrar esses pressupostos. “Uma obra tem ter um estopim para pensar a arte e os conceitos”, disse.


O futuro de Pedro Costa é fora de Natal. Apesar de ainda considerar a cidade como seu “porto seguro” pelo fato de toda sua família viver na cidade, ele está de partida para Berlim nos próximos meses. Na capital alemã ele pretende aprender a língua, estudar psicanálise e entrar em contato com as vanguardas artísticas e políticas da cidade. Se puder, garante, não sairá de lá tão cedo. “É uma cidade que visitei e onde pretendo morar”. No tempo que ainda lhe resta no Brasil, Pedro – para o alívio dos mais religiosos - não pretende realizar outras performances com crucifixos, nem terços. Seguirá mandando seus desenhos e colagens pelos correios. A igreja agradece.

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